De todas as fotos do álbum, a que chamou a atenção da menina foi a que parecia ser a mais antiga.
- Que foto é essa, vó?
A velha larga o crochê, olha por cima dos óculos, reconhece a fotografia, e não consegue conter o sorriso: a memória já não anda lá essas coisas, mas ainda lembra do beijo com gosto de promessa.
- Ah, essa... É a árvore de quando a vó e o vô começaram a namorar.
A neta, na idade em que a curiosidade antecipa espantos divertidos, leva alguns segundos processando a informação.
- Vocês começaram a namorar numa árvore!?
- Quase. Foi ali que o vô descobriu gostar da vó, e a vó descobriu gostar do vô.
- Como?
- Essas coisas a gente descobre descobrindo.
A neta olha a foto, olha a vó, torna a olhar a foto; descobrir-descobrindo é um conceito que ainda não entrou naquele coraçãozinho.
- Teu vô andava sempre com um canivete - explica a vó -, aí ele escreveu o nome dele na árvore, depois o meu e... bem, foi assim - a vó ri.
A criança investiga a foto minuciosamente, tenta encontrar os nomes dos avós inscritos no tronco da árvore, quando o vô chega na sala vindo da cozinha:
- Ô Maria, cadê o queijo?
- Tá na geladeira, no pote branco.
- Já procurei, não tá.
- Tá sim, perto da margarina.
- Eu disse que não tá!
A velha torce o canto da boca, levanta-se do sofá, vai até a cozinha, abre a geladeira, logo encontra o queijo perto da margarina, entrega nas mãos do marido, que resmunga sem reconhecer a derrota.
Quando a velha volta para a sala, a neta permanece com a foto da árvore em mãos, devorando com os olhos cada centímetro da imagem gasta pelo tempo.
- Vó... e tá lá ainda? O nome do vô e da vó?
A velha vacila: está? Busca no marido uma resposta e o vê sentado à mesa da cozinha, as mãos chupadas e de veias salientes, aquele maxilar que um dia foi forte e agora mastiga como se fora do eixo. O marido nada diz, sequer presta atenção na conversa que acontece a poucos metros dali. Ainda assim, a velha responde, e com aquele mesmo sorriso cheio de memórias e promessas, mas agora com um toque de satisfação:
- Pois sabe que eu acho que ainda tá? - e ri, para o divertimento da neta.
.
.
.
#arvore #fotoantiga #escritacriativa #conto #oldpic